EU NÃO ARDO NAS SOMBRAS, CONSTRUO ALVORADAS!...

terça-feira, 22 de julho de 2025

O LADO CONJUGAL DA NOITE


Busco em ti o lado conjugal da noite – aquele que não se mostra aos olhos apressados, mas que se revela na doce cumplicidade de um gesto lento. É na penumbra do teu silêncio que encontro o abrigo para o meu cansaço, o colo onde a sombra se deita sem medo, onde até o silêncio tem corpo e calor. Há em ti uma morada que não tem paredes, mas pulsa por dentro como um coração apaixonado. É aí que me recolho quando o mundo pesa, quando as horas arrastam correntes e a alma pede descanso. Não falo de promessas nem rituais. Falo de um estar simples e verdadeiro, como o céu que cobre o mar sem nada lhe pedir. És a noite em que me desfaço das máscaras, onde me desnudo para que tudo seja ainda mais real. Cada palavra que não dizes ecoa em mim como um verso antigo e cada suspiro teu é um convite à entrega sem cláusulas, ao amor que não se pode mais conter. No nosso peito, a noite é conjugal porque se partilha. Porque entre nós, a escuridão não é ausência de luz, mas espaço para deixar brilhar o que é grande demais. E ali, deitados no tempo, já não sou eu nem tu – somos apenas o mágico cansaço de uma bela noite de amor.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

sábado, 19 de julho de 2025

AO RITMO DE UM BLUES

Teus olhos – dois goles lentos de desejo – tocaram-me antes mesmo que qualquer palavra ousasse nascer entre nós. O mundo lá fora podia ruir. Aqui dentro, porém, tudo vibrava ao compasso rouco de uma canção arrastada, feita de corpo e alma. O tempo não corria, deslizava preguiçoso, pelos contornos do teu corpo. Cada gesto teu era um acorde grave, um gemido de saxofone perdido na madrugada. A música parecia feita só para nós. E eu, perdido em ti. Ali, no meio da noite, no meio do mundo. O ar era denso e macio, que nos envolvia num aroma delicado. O teu perfume era uma mistura de flor e fogo, bailava nas sombras, acendendo os instintos, embriagando cada espaço onde o som se deitava. Dançavas sem dançar, com aquele jeito de mulher que sabe que o silêncio pode gritar, que o olhar pode despir. O toque – ah… teu toque – era o solo mais lento e excitante que já senti. Como se teus dedos fossem as notas e o meu corpo o piano à espera de ser tocado. Não havia pressa. Só a cadência perfeita do desejo sincopado como quem desvenda um mistério antigo. Não precisávamos de palavras, só de compasso. Aquele compasso lento, que fazia teu corpo roçar no meu como uma provocação. E entre beijos breves que ardiam como um trago de “Jameson” na garganta, eramos dois acordes que se encontraram na mesma onda, na mesma vontade, na mesma canção. Tudo – tua boca, teu corpo, tua ausência de pudor e excesso de verdade, me fez crer que bastava um beijo mais ardente, um toque mais ousado para que o universo explodisse. Porém, quando a música terminou, viraste o rosto devagar, como quem encerra um feitiço, deixando no ar apenas o teu perfume e o calor do teu corpo ainda dançando em mim.

Tudo aconteceu  ao ritmo sensual de um blues.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor


quarta-feira, 16 de julho de 2025

O CANTO DO CISNE


 






Despenho-me nos teus lagos, como sombra que se afoga no espelho, quando para ti canta o cisne mais triste com a voz quebrada no fim da tarde. O som, grave e húmido escorre-me pela pele, como se o teu corpo estivesse ali, à distância de um sopro molhado. Busco-me em ti, como a febre que se deita na pele fresca, como a fome que aprendeu a conviver com o tempo da espera. E o desejo não pede licença, lambe-me as mãos, rasga-me os silêncios e faz do teu nome um feitiço que arde entre as coxas do tempo, e no amor que se esconde no musgo das margens. És lago, és abismo, és fogo que não se vê – mas que se adivinha no rumor do vento, no nevoeiro que tarda em partir, no calor que brota entre os juncos, nas aves que esvoaçam quando o gemido é mais fundo que o céu. O cisne canta sim, e no seu canto a noite cresce. Mas há um outro som mais longo e estridente. O da ausência a roçar-se em mim, com a textura exacta da tua pele, com o peso inteiro do que ainda nos falta viver. Se viesses agora, encontravas-me deitado na margem, como um poema inacabado, a pedir a tua boca como quem suplica um fim ou um princípio.



albino santos
* Reservados Todos oa Direitos de Autor



segunda-feira, 14 de julho de 2025

UM LEVE RUMOR

 


Acorda-me, não o dia, mas um som leve, quase esquecido. O rumor de uma ave em movimento. E nesse instante entre o sonho e o mundo, sinto no ar um presságio quente, uma presença que se anuncia antes de chegar. Talvez sejas tu. Talvez sejas tu a querer voar para os meus braços. Há em ti o sussurro de um voo contido, um desejo antigo que não se esgota nas palavras. Sinto-te no vento que roça a janela no instante em que a luz hesita, como se o universo estivesse à espera da tua decisão. E eu, acordado por esse presságio de ave, estendo os braços sem saber se te espero ou se apenas te imagino. Tu, feita de céu e de mistério, tens em ti a leveza das coisas que nunca se prendem, mas também a rara doçura de quem sabe pousar. Se vieres – se vieres até mim – que seja por desejo e não por medo, por amor e não por refúgio. Que o teu voo seja escolha e os teus braços, as asas fatigadas pelo tumulto do voo. E se for verdade esse rumor – se fores mesmo tu, a aproximar-te em silêncio – então deixa que o mundo espere. Porque entre o instante em que acordas e o momento em que me tocas, tudo em mim se suspende.

~


albino santos
Teservados Todos os Direitos de Autor


quarta-feira, 9 de julho de 2025

O AMOR É UMA PLANTA FRÁGIL


 




O amor é uma planta frágil. Não nasce de repente como as tempestades, nem explode como os fogos do acaso. Nasce tímido num canto de terra que nem sabíamos ser fértil. Precisa de sol, mas teme o calor em excesso. Quer água mas afoga-se fácil. É sensível ao vento das palavras duras, aos silêncios longos como noites de inverno. Ele germina em silêncio, no escuro do coração, onde a terra é feita de memórias, desejos e medos. Surge quase invisível, como quem pede licença para existir. Cresce devagar, folha a folha, gesto a gesto, ao toque leve, ao olhar atento, à paciência dos dias. Quem ama aprende a jardinar com o coração. Aprende a podar a incompreensão, a regar com ternura, a protege-lo das pragas, da rotina. E mesmo assim, às vezes o amor fenece. Não por falta se sentimento, mas por falta de presença. Porque o amor, tal como as plantas frágeis, não vive só de sementes lançadas em solo fértil – precisa ser cultivado com carinho, todos os dias, com ternura nas mãos e a alma entre os dedos.



albino santos
*Reservados Todos os Direitos de Autor

quinta-feira, 3 de julho de 2025

QUANDO CHEGAS DISSOLVEM-SE AS TREVAS



Quando chegas dissolvem-se as trevas. Os teus olhos tecem a luz como quem borda o alvorecer sobre a pele da noite. Não precisas dizer palavra – és claridade em forma de presença. Trazes contigo uma luz que não se vê - sente-se. Atravessa-me. Rasga a sombra dentro de mim com a delicadeza de quem sabe exactamente onde te quero… Há em ti uma alvorada que me fascina. Quando te aproximas, tudo em mim se despe da ausência – o corpo acende-se em planícies férteis onde antes tudo era um árido deserto. Os teus passos sobre o chão têm o peso exacto da ternura, e o teu olhar toca-me com a suavidade de uma mão invisível. Deslizas pelos meus dias como o vento morno sobre os campos – sem pressa, mas com o rumo certo. E eu deixo-me colher, aberto como uma flor à tua luz. Há em cada gesto teu um erotismo doce, uma vertigem delicada que me envolve e fascina. És água em sede antiga e eu bebo-te até onde consigo e além do que ouso. És o princípio e o fim da minha inquietação. Chegas e tudo se transfigura. A tua pele, um livro que leio com os dedos. O teu riso, a música quente e deliciosa de um blues que me devolve a luz e o prazer da vida.
Sim, quando chegas dissolvem-se as trevas. E eu, curvo-me em silêncio diante da tua luz – não por submissão, mas por reconhecimento. E não há refúgio possível, porque em ti encontrei o exílio mais doce. Sou corpo anoitecido que resplandece para ti. E, diante da tua luz, ergo a voz embargada de gratidão por seres sol e chama, mar que me arrebata das trevas, fúria que me guia à paz – és o meu tudo e o meu quase nada, mas sobretudo és a luz que teces em mim de cada vez que te amo.


albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

segunda-feira, 30 de junho de 2025

O TEU CORPO CHEIRA A MADRUGADA




O teu corpo cheira a madrugada como se a noite inteira tivesse adormecido sobre a tua pele – esse lume doce e morno que arde sem pressa. Há em ti um perfume que não vem de estranhas alquimias, mas das horas silenciosas em que o mundo ainda sonha, e tu existes em carne viva, feita de brisa e maresia. Cheiras a orvalho recém-nascido, a lençóis que guardam segredos sussurrados entre o sono e o desejo. Há um frescor húmido, quase tímido, que dança nos contornos do teu corpo, como se a própria noite se despedisse em ti. E quando me aproximo, não sei se é o teu cheiro que me envolve ou se é a própria madrugada a descer-me pelos ombros. Tens no corpo a ternura do céu que começa a clarear, e nos teus gestos lentos, mora o silêncio cúmplice das quatro da manhã. Toco-te e é como tocar a luz ainda por nascer. Beijo-te e é como beber a frescura da primeira água do dia. O teu corpo cheira a promessa: de calor, de abrigo, de ternura, de prazer, de eternidade. Cheira a pele que se dá inteira sem pedir licença ao tempo. E é nesse perfume feito de sombra, de calma e de mistério, que em ti encontro o princípio e o fim de todas as horas e permaneço cativo desse perfume – raro, suave, eterno – que só existe quando te abraço, quando te respiro, quando te faço minha.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor