EU NÃO ARDO NAS SOMBRAS, CONSTRUO ALVORADAS!...

domingo, 2 de novembro de 2025

O QUE RESPIRA... AINDA VIVE!...




Por vezes, na vida, não há alquimia, nem saber, nem esperança – apenas um patíbulo. A existência suspende-se na fragilidade de um fio, e o ar tem o peso do mundo. Tudo o que era sombrio torna-se cada dia mais denso, e os gestos, antes cheios de destino, agora vacilam, enquanto crescem dentes à noite solitária. Nessas horas, o coração é apenas uma pedra húmida e fria à beira do abismo, onde o vento vem confessar a sua própria solidão. Não há fórmulas que curem, nem preces que adiem o dever de cumprir-se a negra quietude das violetas. O tempo, esse velho carrasco, percorre o corredor do mundo sem pressa, deixando atrás de si o som lento das amarras invisíveis que acorrentam as palavras, o corpo, o desejo, o amor.

Ainda assim, há um instante – breve, quase inaudível – em que a sombra se torna memória, e a dor, claridade. No patíbulo de madeira gasta pelo tempo, nasce uma flor que ninguém plantou. Talvez seja isso o que resta da alquimia: a certeza de que, mesmo no limite da ausência, algo insiste em permanecer – uma centelha, um rumor, um vestígio de eternidade a passear-se entre as ruínas. Porque mesmo quando nada sobra senão a sombra do tempo, essa sombra ainda respira. E o que respira, ainda vive. 




albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A ILHA


           No fim do caminho, quando os passos já não dormem e o horizonte se curva em silêncio, há uma ilha onde o tempo abranda, onde os nomes se desfazem como conchas na espuma, e as memórias adormecem no embalo do mar. Ali, o vento já não pergunta. Ele sabe. Ele sabe de onde vieste, quem trazes na alma, que dores trazes no peito, que lutas trazes nos olhos. E acolhe-te, como se fosses um barco cansado voltando ao cais. O sol ali não queima, deixa apenas a filigrana das carícias, com dedos antigos de luz quente e suave. A ilha é o repouso das vozes que emudeceram. Morre-se ali, sim, como quem se deita depois de uma jornada. E adormecer é apenas mudar de céu, como quem vira o rosto num lençol fresco. Morre-se devagar, como quem se despede do corpo com reverência. O espírito, enfim liberto, parte com o vento ancestral. As dores desaprendem os seus contornos. Os nomes amados, perdidos no tempo, vêm ao encontro, translúcidos como lembranças. No fim do caminho há sempre essa ilha. Não como castigo, mas como consolo. Um lugar onde já não se precisa fugir, onde as saudades se desfazem na areia fina, onde o coração, finalmente repousa. E assim se adormece, como quem desperta para dentro do infinito.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

NA PRAIA DESTES ANOS


 














Na praia destes anos, o horizonte abre-se como uma ferida lenta, sempre azul e sempre distante. O vento trás consigo o rumo das horas esquecidas, como se cada sopro fosse um recado dos dias que se perderam no silêncio. Caminhamos sobre a areia fina, e cada grão parece contar uma história, um instante que nos escapou entre os dedos, como se o tempo fosse feito apenas de fugas.

         Olhamos as pétalas do tempo com melancolia e tristeza. Elas caem, uma a uma, da árvore invisível da vida, e repousam em nós como um delicado luto. Não são apenas lembranças – são perfumes que já não voltam, são gestos suspensos, são vozes que se apagaram no eco das madrugadas. E no entanto, há uma beleza secreta nesse cair: como se a própria finitude fosse a prova de que existimos intensamente.

        A tristeza acompanha o rumor da maré baixa. É uma música abafada que insiste em permanecer, mesmo quando fingimos esquecê-la. Ela nos ensina a contemplar o que se perdeu, e a guardar no mais íntimo, o que nunca poderá ser tocado de novo. Há algo de sagrado nesse olhar: como se as perdas fossem destino, e cada memória, uma chama que se recusa a extinguir.

        Assim seguimos, à beira do mar, recolhendo pétalas invisíveis, sabendo que cada passo é também despedida. Mas entre a melancolia e o silêncio, uma ternura secreta permanece: o reconhecimento do que tudo o que se desfaz na areia do tempo floresce em nós, como maré que nunca deixa de retornar.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

A ETERNIDADE DO INSTANTE





            É no sonho que o instante se faz eterno. Porque no sonho o tempo já não corre, mas se transforma em espirais suaves que respiram e sentem. Um minuto ali contém a vastidão de um século, e um século pode dissolver-se em apenas um gesto: a mão que quase toca a outra, a palavra suspensa no ar, a lembrança que se acende como chama na escuridão.

            O sonho não conhece fronteiras. Ele toma o que foi vivido e o que ainda não aconteceu, mistura tudo no mesmo lago silencioso, e ali deixa que brilhem reflexos de um impossível que, de repente, é tão real como o próprio corpo. Aí, o instante não passa – expande-se. Torna-se um campo aberto, onde cada detalhe pulsa na noite transfigurada, e tudo começa a ser ave ou lábios a querer voar: o olhar que se prolonga, o vento que acaricia, a música que não termina. E o coração, dentro do sonho, esquece a pressa. Ele não precisa temer o negro da noite, pois sabe que ali tudo é permanência disfarçada em passagem. O instante não escorre pelos dedos como a carícia; ao contrário, é nos dedos que ele se fixa, como se a pele guardasse a eternidade.

           Por isso, sonhar é deixar escorrer o infatigável instante: é fundar um espaço onde o efémero descobre a sua raiz eterna. É reconhecer que até a mais breve centelha contém, no fundo, a claridade infinita. E ao acordar, trazemos na pele essa marca subtil – a lembrança de que o eterno não mora no além, mas se esconde subtilmente dentro do instante.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor


segunda-feira, 20 de outubro de 2025

COM MÚSICA NOS DEDOS

 


  

 

 




         Fecha os olhos e deixa a mão descer pelo declive do teu peito. Não tenhas pressa – o toque é uma linguagem antiga, anterior às palavras, anterior ao próprio corpo. É um idioma sem gramática, onde cada curva te reconhece e cada sombra se oferece em silêncio. Há um murmúrio entre os dedos, um lume que não queima, apenas acende. E, quando o gesto se completa, o corpo inteiro é uma sílaba de luz – um segredo que se diz sem voz, e nunca se apaga. Abre os lábios, o corpo escuta o que não se diz: o seu próprio rumor, o eco do desejo. Há uma música que nasce nos dedos, um compasso que se repete no fundo da pele. Nada é urgente. Tudo é agora. A mão desliza, e o tempo dissolve-se no calor que se inventa. És brisa e desejo, pulsação e silêncio. E no instante em que te descobres, o mundo inclina-se para te ouvir suspirar. Depois, o corpo é apenas bruma e repouso, e a pele aguarda o rastro do fogo, como quem conserva um segredo. Há ternura no cansaço, uma doçura que não pede nada – apenas permanece. O toque já não busca: recorda. Respiras devagar, e cada sopro é um vestígio de amor que se recusa a morrer. O mundo volta a girar, mas dentro de ti algo ficou suspenso – um silêncio quente, pulsando, onde antes havia desejo. É o mesmo lume, agora manso, que ilumina por dentro o nome que ainda há pouco sussurravas.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

A MINHA SOMBRA

            Agora só a minha sombra pousa em ti, como de uma carícia se tratasse. Ela desliza sobre a tua pele com a suavidade da brisa, que não se vê, mas que se sente – essa presença invisível que te toca sem pedir licença, que te percorre sem tu sentires, enquanto o luar da noite, cúmplice e silencioso, ilumina o sensual contorno da tua nudez. A minha ausência tornou-se um corpo leve, sombra errante que ainda te procura nos reflexos do amanhecer. E quando o mundo se cobre dessa luz dourada, é como se o tempo se suspendesse só para nos ver – eu reduzido a sombra, e tu, bela e nua, com a minha sombra percorrendo o teu corpo. Ali, pousada docemente em ti, onde outrora pousavam as minhas mãos – hesitantes, lentas, descobrindo-te como da primeira vez.
           Há no toque da minha sombra em ti, uma memória e uma ternura antiga que o tempo não apaga, feita de desejo e distância. Quisera que essa sombra tivesse calor, e que o seu perfil obscurecido pudesse enrolar-se no teu sono, incendiar-te a pele como antes fazia o meu corpo. Mas o que resta é isto: o eco de um toque, a lembrança que insiste em permanecer, o murmúrio que se deita sobre ti, quando a noite declina e o luar se derrama.
           Ainda assim, há uma beleza infinita neste quase nada – neste toque sem peso, neste roçar de ausência. Já que não posso habitar-te, deixo que a minha sombra o faça por mim, com a ternura de sempre. Que ela te envolva, lenta como uma confissão sem voz. E, quando a noite se for e tudo se dissolver na penumbra, tu saibas que mesmo no escuro, continuo a pousar-me, amorosamente, em ti.




albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

UM SONHO














           A noite cai como um véu morno, e no escuro há um pressentimento que me mantém desperto. Não é insónia, é desejo. Deito-me e chamo-te em silêncio, como quem invoca um feitiço. Quero que um sonho te traga até mim, sem barreiras, sem roupas, sem hesitação. Por fim, vejo-te surgir, etérea e ardente, como se a própria noite tivesse criado alguém para me possuir. És bruma e fogo, sombra e luz. Não caminhas, deslizas até mim, deixando no ar um perfume que é só teu – mistura de vertigem e desejo. Antes de me tocar já me inflamas. Teus olhos brilham como estrelas que sabem segredos antigos, e eu cedo antes mesmo de sentires a minha rendição.
          Quando te inclinas sobre mim, os teus lábios pousam na minha pele como um sopro incandescente. A tua língua é deliciosamente lenta, e tuas mãos exploram, primeiro leves, depois firmes, descobrindo penumbras que tremem sob os teus dedos. És sonho, mas moves-te como fosses a mais doce realidade; és névoa, mas o calor que deixas é real demais. Sinto o teu corpo nu fundir-se no meu, dançando sem música, só guiado pelo compasso ofegante da nossa respiração. Os teus quadris encontram os meus num ritmo que começa suave, quase ritual, depois cresce, incontrolável, como uma maré que nos arrasta. Cada gemido é um eco dentro de mim e cada suspiro teu acende outro ainda mais profundo.
             Não há palavra no mundo para o que somos agora. Há suor e luz, há febre e silêncio. Há um sonho possuindo o meu corpo, e o meu desejo tornando-se mais real do que qualquer amanhecer. Não sei se é delírio, mas sinto-te plena, e cada instante se prolonga até se perder no infinito de mim. E quando o climax chega, não é explosão – é dissolução. Somos um só corpo, um só sonho, um só grito sem voz. E então a madrugada, lenta e saciada, respira outra vez. Se fores sonho não despertes. Se fores real, nunca partas. Pois o que esta noite esperei, finalmente chegou – e dançou comigo até ao fim do tempo.


albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor